Estudos começam a detectar evidências entre o aquecimento global e a intensificação dos quadros de doença neurodegenerativa
As mudanças climáticas começam a entrar no radar da ciência como possíveis influências tanto na incidência quanto na modulação dos sintomas do Parkinson. Pesquisas recentes vêm sugerindo que a saúde do cérebro, meio ambiente e a necessidade de políticas de adaptação climática podem estar mais conectados do que se imaginava.
Fenômenos climáticos complexos, causados principalmente pela concentração excessiva de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera terrestre, como ondas de calor, eventos climáticos extremos, insegurança alimentar e hídrica e piora da qualidade do ar estão entre os fatores ambientais reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)¹ que a aumentam o risco de doenças não transmissíveis. Esses efeitos podem desencadear ou agravar condições de saúde, especialmente entre populações vulneráveis, e, somados ao estresse emocional, também podem contribuir para o surgimento ou agravamento de doenças que afetam o cérebro e a saúde mental.
Para o Dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional, pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Unicamp e especialista no tratamento da doença de Parkinson, o momento é de vigilância ativa. “Embora as evidências sobre mudança climática e Parkinson sejam emergentes e heterogêneas entre países, faixas etárias e métodos, temos que nos antecipar. É prudente considerar o clima como um elemento que pode influenciar a doença e orientar pacientes, famílias e profissionais de saúde a adotarem cuidados específicos, ao passo em que a ciência avança. Não é alarmismo, mas adaptação a um mundo que está mudando rapidamente”, pondera o especialista.
Incidência versus risco ambiental
Nos últimos anos, estudos começaram a investigar uma possível relação entre aumento de temperatura e incidência de Parkinson. Um deles, publicado no Journal of Climate Change and Health², analisou dados de 185 países entre 1990 e 2016, avaliando a variação da temperatura média global e indicadores de Parkinson (prevalência, mortalidade e anos vividos com incapacidade), e identificou uma tendência: os locais que mais aqueceram foram também os que registraram maior crescimento nos índices ligados à condição, com efeito ainda mais acentuado em países que já apresentavam temperaturas médias mais elevadas.
Outro estudo, publicado no periódico científico Parkinson’s Disease³ neste ano, apontou que, no subgrupo de indivíduos com menos de 50 anos, a poluição atmosférica - especialmente a exposição prolongada ao material particulado fino (PM₂.₅) - esteve associada ao maior risco de desenvolvimento de Parkinson. O achado sugere uma possível vulnerabilidade etária, que ainda precisa ser confirmada em novas pesquisas.
Os achados reforçam a necessidade de ampliar o olhar sobre os fatores que contribuem para a etiologia dessa condição degenerativa. Um artigo de revisão publicado em 2025 na revista Movement Disorders⁴ destaca que a compreensão do Parkinson deve incluir, além de genética e envelhecimento, a influência de exposições ambientais, como pesticidas, poluentes industriais, poluição urbana e substâncias tóxicas. Como muitos desses fatores tendem a se intensificar com a crise climática, os autores defendem a urgência de políticas voltadas à redução de exposição ambiental e maior integração entre neurologia, saúde pública e proteção ambiental, em convergência com as recomendações recentes da OMS.
Modulação de sintomas e efeitos clínicos relacionados ao clima
Ainda não há conclusões definitivas, mas os pesquisadores apontam uma tendência preocupante em um cenário de aquecimento global acelerado que pode interferir na manifestação dos sintomas e no bem-estar e qualidade de vida de indivíduos com Parkinson.
A American Parkinson Disease Association (APDA)⁵ destaca que mudanças de temperatura, umidade e pressão atmosférica podem agravar sintomas motores e não motores, e recomenda que o clima seja considerado na rotina de cuidados. “Por isso, é essencial que pacientes e famílias adotem uma postura preventiva: ajustar rotinas em dias extremos de calor ou frio, reforçar hidratação, observar mudanças nos sintomas e buscar orientação médica sempre que necessário”, alerta o Dr. Valadares.
Altas temperaturas e ondas de calor cada vez mais frequentes podem intensificar fadiga, confusão, hipotensão ortostática, desidratação e alucinações, além de dificultar o controle da temperatura corporal devido a alterações no sistema nervoso autônomo causadas pela doença. Já o frio intenso tende a acentuar rigidez muscular, dor e tremores, tornando movimentos simples mais difíceis. Ambientes muito úmidos podem causar inchaço nas extremidades e sensação de lentidão, enquanto altitudes elevadas podem agravar tontura, desequilíbrio e instabilidade postural, reduzindo a segurança na locomoção.
“À medida que eventos climáticos se tornam mais intensos e frequentes, cresce a necessidade de serviços de saúde e gestores públicos antecipar a incorporação de variáveis ambientais no planejamento do cuidado e na proteção de grupos vulneráveis”, avalia o neurocirurgião.
O Brasil já dispõe de materiais oficiais que reconhecem os impactos das mudanças climáticas sobre a saúde, como o Guia de Mudanças Climáticas para Profissionais da Saúde⁶, publicado pelo Ministério da Saúde. No entanto, o documento não orienta no planejamento e na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, como é o caso do Parkinson.
Referências:
¹ World Health Organization (WHO) – Environmental risk factors and noncommunicable diseases. 2017. Disponível em: https://www.who.int/teams/
²Buizza, R.; et al. Evidence of climate change impact on Parkinson’s disease. ScienceDirect, 2022. S2667278222000190. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/
³ JAHANSHAHI, B.; McVICAR, D.; ROWLAND, N. Exposure to ambient air pollution and onset of Parkinson’s disease in a large cohort study. npj Parkinson’s Disease, v. 11, article 291, 2025. DOI: 10.1038/s41531-025-01156-z. Disponível em: https://www.nature.com/
⁴Atterling Brolin, K.; Schaeffer, E.; Kuri, A.; Rumrich, I. K.; Schuh, A. F. S.; Darweesh, S. K. L.; Kaasinen, V.; Tolppanen, A.-M.; Chahine, L. M.; Noyce, A. J. Environmental Risk Factors for Parkinson’s Disease: A Critical Review and Policy Implications. Movement Disorders, v. 40, n. 2, p. 204-221, fev. 2025. DOI: 10.1002/mds.30067. Disponível em: https://movementdisorders.
⁵American Parkinson Disease Association. How climate can affect Parkinson’s disease. [S.l.], 27 out. 2025. Disponível em: https://www.apdaparkinson.org/
⁶Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Mudanças climáticas para profissionais de saúde: guia de bolso [recurso eletrônico]. Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2024. 137 p. ISBN 978-65-5993-649-6. Adaptado de: Organização Pan-Americana da Saúde. Mudança do clima para profissionais da saúde: guia de bolso. Washington, D.C.: OPAS, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-
Sobre o Dr. Marcelo Valadares:
O Dr. Marcelo Valadares, médico neurocirurgião e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também integra o corpo clínico do Einstein Hospital Israelita.
A Neurocirurgia Funcional é a sua principal área de atuação. Seu enfoque de trabalho é voltado às cirurgias de neuromodulação cerebral em distúrbios do movimento, cirurgias menos invasivas de coluna (cirurgia endoscópica da coluna), além de procedimentos que envolvem dor na coluna, dor neurológica cerebral e outros tipos de dor.
O especialista também é fundador e diretor do Grupo de Tratamento de Dor de Campinas, que possui uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e educadores físicos.
No setor público, recriou a divisão de Neurocirurgia Funcional da Unicamp, dando início à esperada cirurgia DBS (Deep Brain Stimulation – Estimulação Cerebral Profunda) naquela instituição. Estabeleceu linhas de pesquisa e abriu o Ambulatório de Atenção à Dor afiliado à Neurologia.
