Após um ano da cirurgia de câncer próstata, apenas 13% dos pacientes respondem a questionários de qualidade de vida

 Mesmo com índices de adesão em queda (de 40,4% logo após a cirurgia para apenas 13,3% em um ano), estudo conduzido em São Paulo mostra recuperação progressiva da continência urinária, que alcança 82,4% após doze meses, e da função sexual, que chega a 37,6% no mesmo período. A pesquisa, publicada na Brazilian Journal of Health Review, reforça a importância de novas estratégias para engajar os pacientes no preenchimento de questionários, fundamentais para avaliar qualidade de vida e orientar cuidados complementares


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Gustavo Guimarães, um dos autores do estudo

O debate sobre o sucesso dos tratamentos oncológicos há muito deixou de estar restrito ao controle da doença. Hoje, a avaliação da qualidade de vida dos pacientes é considerada parte essencial da mensuração de resultados, especialmente em procedimentos como a prostatectomia radical, um dos mais comuns no manejo de pacientes com câncer de próstata localizado. Foi nesse contexto que surgiu o estudo “Taxa de resposta a questionários pós-operatórios: importância e estratégias de melhoria”, publicado em julho de 2025 no Brazilian Journal of Health ReviewO trabalho analisou a adesão de mais de setecentos homens operados entre 2020 e 2023, ao questionário Expanded Prostate Cancer Index Composite (EPIC-26), ferramenta internacionalmente validada, que mede o impacto do tratamento em domínios funcionais e psicossociais. “O acompanhamento da qualidade de vida após a prostatectomia radical é essencial porque o sucesso oncológico não é o único parâmetro que define o valor do tratamento”, afirma o urologista e cirurgião oncológico Gustavo Cardoso Guimarães, diretor do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR) e coordenador-geral dos Departamentos Cirúrgicos Oncológicos da BP. 

Guimarães, que é um dos autores do estudo, explica que complicações como a incontinência urinária e a disfunção erétil não apenas afetam a fisiologia masculina, mas repercutem na autoestima, nas relações sociais e até na saúde mental. “Medir a qualidade de vida é indispensável para saber se a cirurgia realmente trouxe benefício global em comparação a outras terapias”, reforça.

O estudo foi conduzido de forma retrospectiva e observacional, avaliando 704 pacientes submetidos à prostatectomia radical no período de agosto de 2020 a dezembro de 2023. O questionário EPIC-26 foi aplicado em três momentos distintos: antes da cirurgia, seis meses depois e um ano após o procedimento. A coleta foi realizada por meio eletrônico, via e-mail e WhatsApp Web, com apoio da plataforma RedCap. O objetivo principal era medir a taxa de resposta, enquanto o acompanhamento da continência urinária e da potência sexual constituía desfecho secundário.

Os resultados expuseram um desafio importante. Apenas 40,48% dos pacientes responderam ao questionário logo após a cirurgia, índice que caiu para 17% aos seis meses e despencou para 13,35% em um ano. “O fato de muitos pacientes não preencherem os questionários evidencia desafios estruturais e culturais da prática médica. Muitos os veem como burocracia, mas sem eles perdemos a visão integral do tratamento”, alerta Guimarães. Ele reforça que a baixa taxa de resposta pode distorcer os achados. “É possível que estejamos superestimando os resultados positivos. Por isso, precisamos de estratégias mais eficazes para engajar os homens nesse acompanhamento”, complementa. 

Mesmo diante da adesão limitada, os dados confirmaram uma recuperação funcional progressiva. Seis meses após a operação, 75,6% dos homens relataram continência urinária, proporção que aumentou para 82,4% em um ano, correspondendo a um retorno de 94,8% da continência entre os que já se declaravam continentes antes da cirurgia. A potência sexual, por sua vez, foi preservada em 33,3% dos pacientes após seis meses e em 37,6% ao fim de um ano, o que representa um retorno de 73,15% da função erétil entre os que eram potentes antes do tratamento. “Os dados mostram que a recuperação funcional é um processo temporal. Muitos efeitos adversos da cirurgia não são definitivos, e esse conhecimento é fundamental para alinhar expectativas dos pacientes no pré-operatório”, avalia o especialista.

A pesquisa chama a atenção também para a relevância do próprio debate sobre a queda nas taxas de resposta a questionários clínicos, fenômeno registrado em diferentes países. Enquanto estudos controlados, como o britânico Protect Trial, alcançam taxas de adesão de até 85%, a realidade brasileira permanece distante desse patamar. “Nosso estudo reforça que a coleta de dados longitudinais, mesmo com limitações, traz insights clínicos valiosos e ajuda a deslocar o foco do ‘sucesso cirúrgico’ para o sucesso integral, que inclui bem-estar e funcionalidade”, ressalta Guimarães.

Caminhos para ampliar a adesão

Gustavo Guimarães aponta para caminhos para uma maior adesão, como questionários mais curtos, adaptados à realidade de cada fase de acompanhamento; maior integração com os prontuários eletrônicos, apoio de profissionais de saúde durante o preenchimento e discussão imediata dos resultados em consulta são exemplos de estratégias que podem aumentar a participação. A linguagem acessível, a transparência sobre a confidencialidade dos dados e até o envolvimento da família como estímulo ao engajamento também são fatores que favorecem a adesão. “Quando o paciente percebe que as respostas influenciam diretamente no tratamento - por exemplo, indicar fisioterapia ou apoio psicológico —, ele entende o valor do questionário e tende a participar”, observa.

Ainda segundo o especialista, ouvir a voz do paciente deve ser parte estruturante dos modelos de saúde. Em tempos em que sistemas caminham para modelos baseados em valor, a coleta sistemática de Patient-Reported Outcome Measures (PROMs) se torna indispensável. “Coletar sistematicamente PROMs é fundamental para orientar políticas públicas, programas de reabilitação e pesquisas clínicas. Sem ouvir o paciente, corremos o risco de medir apenas o sucesso biológico, mas não o humano”, conclui Guimarães.

O estudo contribui para evidenciar tanto os desafios quanto as oportunidades no acompanhamento pós-operatório de homens submetidos à prostatectomia radical. Ao mesmo tempo em que confirma a melhora funcional no médio e longo prazo, aponta para a urgência de aprimorar estratégias de coleta de dados, tornando o paciente parte ativa da construção do conhecimento e da prática médica.

O artigo é assinado por Pablo Luis da Silva, Renato Almeida Rosa de Oliveira, Thiago Borges Marques Santana, Alexandre Saad Feres Limpa Pompeo, Marcel Kendi Takada, Paulo Ricardo Pastre Marcon, Carla Casagrande Pavei da Silva e Gustavo Cardoso Guimarães, todos vinculados à Beneficência Portuguesa de São Paulo, com exceção de Carla Casagrande, que integra a equipe da Oncoclínicas, em São Paulo.

Sobre o IUCR

O Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica Dr. Gustavo Guimarães – IUCR, criado em 2013, é especializado na prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação do paciente com câncer. A equipe médica é formada por profissionais altamente especializados em uro-oncologia, cirurgia oncológica e oncologia clínica, sob a liderança do cirurgião oncológico Dr. Gustavo Guimarães, que possui mais de 20 anos de atuação e dedicação à assistência do paciente, ao ensino e à pesquisa científica nessa área. Guimarães desenvolveu ampla experiência em tecnologias e procedimentos minimamente invasivos como cirurgia laparoscópica, ultrassom focalizado de alta intensidade-HIFU e cirurgia robótica, tendo desenvolvido um consistente Programa de Consultoria e Capacitação sobre Cirurgia Robótica para Instituições de saúde em todo o país, que engloba a implantação, o desenvolvimento das diversas técnicas cirúrgicas e a capacitação das equipes.

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