Todos os anos, mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio no mundo. É uma das principais causas de morte entre 15 e 29 anos, segundo a OMS - Organização Mundial da Saúde. No Brasil, os registros giram em torno de 14 mil casos anuais, cenário que pressiona famílias, escolas, serviços de saúde e políticas públicas. Entre adolescentes e jovens, as curvas vêm subindo nas últimas décadas, o que reforça a urgência de estratégias de prevenção consistentes e contínuas.
A campanha Setembro Amarelo mobiliza milhares de parceiros em todo o país e é considerada a maior ação antiestigma do mundo, com o lema de 2025: “Se precisar, peça ajuda!”. Segundo a OMS, praticamente 100% dos casos de suicídio estão relacionados a doenças mentais, muitas vezes não diagnosticadas ou tratadas de forma incorreta. Depressão, transtorno bipolar e abuso de substâncias estão entre os fatores de risco mais comuns. A maioria dos casos poderia ser evitada com tratamento adequado e informação de qualidade.
A psicóloga Dra. Cristiane Pertusi, presidente da Abratef, ressalta que a prevenção precisa ser pensada de forma coletiva. “É ilusório achar que o suicídio pode ser prevenido apenas com boa vontade individual. Falamos de uma questão de saúde pública que envolve capacitação de profissionais, fortalecimento do SUS e combate ao estigma. A prevenção começa em casa, com vínculos sólidos, mas só se sustenta com redes comunitárias e políticas de estado”, afirma.
“Muitas pessoas em crise sentem que sua dor não será compreendida. Escutar sem interromper ou julgar abre espaço para que essa pessoa perceba outras possibilidades além da morte. Acolher não é ter respostas prontas, mas oferecer presença. Prevenir é criar espaços de confiança, onde a dor pode ser nomeada e tratada”, reforça a neuropsicanalista Carla Salcedo, especialista em luto.
Com base na experiência clínica e na literatura, as duas selecionam pilares práticos alinhados às recomendações da OMS:
1- Reconhecer sinais cedo
Mudanças bruscas de humor, isolamento, falas sobre desesperança, despedidas veladas, abandono de rotinas e aumento de uso de álcool ou outras substâncias pedem atenção imediata. Sinais não confirmam risco por si, porém orientam a oferecer ajuda e acionar serviços.
2- Fazer a pergunta com clareza
Perguntar de forma direta e respeitosa se a pessoa pensa em morrer abre diálogo e reduz o isolamento. A pergunta não “planta” a ideia. Ajuda a mapear o risco e a construir um plano de segurança.
Plano de segurança em 6 passos
As especialistas sugerem um roteiro simples que pode ser escrito no celular.
1 - Identificar gatilhos pessoais e sinais de alerta.
2 - Listar estratégias que aliviam em minutos, como respiração guiada e contato com alguém de confiança.
3 - Mapear pessoas e lugares que oferecem acolhimento.
4 - Guardar contatos profissionais e de emergência.
5 - Planejar supervisão de medicamentos e retirada temporária de meios letais do ambiente doméstico.
6 - Combinar retorno rápido ao cuidado profissional após a crise.
4- Atuar em rede e com serviços
A rede de atenção psicossocial do SUS conta com CAPS, atenção básica e pronto atendimento. Escola, empresa e família funcionam como radares que encaminham cedo e sustentam o seguimento.
5- Reduzir acesso a meios letais
Trava em arma, medicação sob guarda de um adulto, descarte seguro de sobras de remédios e barreiras ambientais salvam vidas. É medida com forte evidência.
GUIA PARA FAMILIARES E AMIGOS
Como abordar?
- Fale com calma e em lugar seguro.
- Escute sem apressar a conversa. Evite conselhos rápidos.
- Valide a dor com frases curtas. “Estou aqui”. “Quero entender o que você sente”.
- Pergunte sobre risco atual e combine os próximos passos com a pessoa.
O que dizer na hora certa?
- “Você importa para mim.”
- “Vamos ligar juntos para o 188.
- “Podemos ir ao CAPS ou à UPA agora.”
O que evitar?
- Minimizar a dor.
- Prometer segredo absoluto. Em risco, proteção vem primeiro.
- Deixar a pessoa sozinha em momentos críticos.
“Depois de uma crise, vínculos precisam de rotina e previsibilidade. Mensagens diárias, checagens combinadas e pequenos encontros sustentam o cuidado entre consultas", complementa Carla Salcedo.
DÚVIDAS E MITOS
Falar sobre suicídio piora o risco?
Evidência mostra o contrário quando a conversa é acolhedora e conectada a serviços. A pergunta direta permite avaliar risco e encaminhar.
Prometer sigilo total é correto?
Evite prometer. Em risco, a prioridade é manter a pessoa viva e acompanhada. Combine transparência e proteção com a própria pessoa.
Contratos de “promessa de vida” resolvem?
O que funciona é plano de segurança bem combinado, com passos concretos e rede acionável.
Remédios sempre resolvem?
Medicação pode ser parte do tratamento, porém exige avaliação médica, monitoramento e integração com psicoterapia e rede de apoio, segundo a psiquiatra.
SE VOCÊ ESTÁ EM CRISE AGORA
- Respire e peça ajuda. Ligue para o CVV 188 ou acesse chat no site. Atendimento 24 horas, gratuito e sigiloso.
- Se houver risco iminente, acione o SAMU 192 ou procure uma UPA ou hospital de referência.
- Avise alguém de confiança e combine companhia contínua até a estabilização.
- Evite ficar sozinho e afaste remédios em grande quantidade, cordas e objetos cortantes do seu alcance imediato.
- Assim que possível, marque avaliação com profissional de saúde mental para construção do plano de segurança e seguimento.
“Estabilização não encerra o cuidado. Seguimento programado e retorno precoce reduzem o risco de nova crise, inclusive nas semanas seguintes à alta. Rituais diários simples ajudam a manter o sentido quando a mente está exausta. Rotina de sono, alimentação, exposição ao sol e contato humano são alicerces”, conclui Dra. Cristiane Pertusi.