A abertura da NFL 2025-2026 foi paralisada por alerta de tempestade na Filadélfia, seguindo protocolo que suspende eventos ao ar livre diante de risco de raios. Nos EUA, a regra é lei federal e conta com rede de radares e alertas precisos. Em São Paulo, por exemplo, apesar de existir legislação semelhante desde 2001, a aplicação é frágil, os sistemas de previsão falham e jogos continuam mesmo sob risco, expondo atletas e torcedores.
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Jogo entre Philadelphia Eagles e Dallas Cowboys, na abertura da temporada, foi interrompido por alerta climático O jogo de abertura da temporada 2025-2026 da NFL entre Philadelphia Eagles e Dallas Cowboys foi interrompido no início do terceiro quarto após um alerta climático em Filadélfia. O placar eletrônico do Lincoln Financial Field exibiu uma mensagem do Serviço Meteorológico Nacional orientando que torcedores deixassem as áreas abertas e buscassem abrigo. A paralisação seguiu o protocolo norte-americano que exige a suspensão de qualquer evento esportivo ao ar livre em caso de risco de tempestades severas, com possibilidade de raios ou ventos fortes, medida que contrasta com a realidade brasileira, onde jogos seguem em andamento mesmo sob temporal. A interrupção pode soar exagerada para o público no Brasil, acostumado a ver partidas disputadas debaixo de chuva intensa, muitas vezes com descargas elétricas próximas. Mas a diferença entre os dois países está nos protocolos de segurança e na forma como os alertas meteorológicos são tratados. “Nos Estados Unidos, existe uma lei federal que obriga a paralisação de qualquer evento ao ar livre quando há risco de tempo severo”, explica o professor Carlos Augusto Morales Rodriguez, do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP). A norma, definida pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), se aplica a situações com ventos fortes, granizo, tornados ou descargas elétricas. Segundo Morales, a medida surgiu após uma série de incidentes, principalmente nos anos 1990 e 2000, quando raios atingiram espectadores e jogadores em partidas universitárias, gerando processos judiciais e indenizações. “Hoje, todos os estádios a céu aberto seguem a mesma regra: atividade externa só retoma 30 minutos após o fim da atividade elétrica na região”, relata. Monitoramento em tempo real Nos EUA, o monitoramento meteorológico é contínuo e nacional. Uma rede de mais de 160 radares acompanha tempestades em tempo real, com previsões de curtíssimo prazo baseadas em dados de radar e detecção de raios. “Quando uma tempestade com potencial elétrico se aproxima, os eventos externos são automaticamente suspensos, mesmo que ainda não esteja chovendo ou que o raio não tenha atingido aquele ponto específico”, afirma o pesquisador. E no Brasil? Embora pareça distante da realidade brasileira, São Paulo tem legislação semelhante, mas ineficaz. “Existe uma lei municipal de 2001 (Lei nº 13.214/2001) que determina que qualquer atividade externa deve ser paralisada em caso de risco de raio”, diz Morales. No entanto, a norma é pouco conhecida e raramente cumprida. “A responsabilidade pela fiscalização é do Corpo de Bombeiros, mas não há estrutura para aplicação efetiva”, critica. Casos de raios atingindo jogadores ou campos esportivos no Brasil não são raros. “Já houve episódios no Piauí, em Bragança Paulista, no Amazonas, no Peru.. Aqui mesmo em São Paulo, em 1996, um raio atingiu o apito do preparador físico Altair Ramos, que comandava um treinamento do São Paulo. O objeto derreteu”, lembra. Entre 2013 e 2022, foram registradas 835 mortes por raios no Brasil, segundo levantamento do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O país é o segundo na América Latina em mortes causadas por descargas elétricas, atrás apenas do México. Alertas falhos e atraso tecnológico Outro entrave está na forma como os alertas são emitidos. “Em São Paulo, temos o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE), que monitora chuvas, mas não trabalha com previsão de descargas elétricas, nem com deslocamento de tempestades. A Defesa Civil emite alertas, mas com alto índice de erro e atraso”, explica Morales. Muitas vezes, o aviso chega quando a chuva já começou ou já passou. A defasagem também se vê na tecnologia. “Nos Estados Unidos, o radar meteorológico é atualizado a cada minuto. Aqui, alguns sistemas operam com intervalo de até dez minutos. Isso atrasa a reação”, afirma. No IAG, o professor coordena um projeto que atualizou o radar meteorológico para resolução de 30 metros, capaz de detectar chuva até no quintal de um vizinho, ferramenta essencial para previsões mais precisas no verão. O peso do calendário esportivo A escolha dos horários também pesa. “Nos EUA, os jogos da NFL são à tarde e os de beisebol, pela manhã ou à noite. No recente Mundial de Clubes, insistiram em fazer partidas ao meio-dia, mesmo em cidades com alta incidência de tempestades nesse horário. Não podem cometer o mesmo erro na Copa”, aponta Morales. Com a Copa do Mundo de 2026 se aproximando, a preocupação tende a crescer. “A lei deles é clara. E vale para qualquer evento no país. Quem organiza tem que se adaptar. É como foi no Catar: lá não podia vender bebida alcoólica nos estádios, e ninguém discutiu”, compara. Enquanto os EUA transformaram desastres naturais em leis rigorosas, o Brasil ainda enfrenta legislações ignoradas e falhas em sistemas de alerta. Para Morales, a questão vai além da tecnologia: “É uma questão de cultura de segurança. Trabalhar com prevenção custa menos do que lidar com os danos depois”. Sobre o IAG/USP - O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo é um dos principais polos de pesquisa do Brasil nas áreas de Ciências Exatas e da Terra. A missão é contribuir para o desenvolvimento do país, promovendo o ensino, a pesquisa e a difusão de conhecimentos sobre as ciências da Terra e do Universo e aspirando reconhecimento e liderança pela qualidade dos profissionais formados e pelo impacto da atuação científica e acadêmica. Na graduação, o IAG recebe em seus três cursos 80 novos alunos todos os anos. Já são mais de 700 profissionais formados pelo IAG, entre geofísicos, meteorologistas e astrônomos. Os quatro programas de pós-graduação do IAG já formaram mais de 870 mestres e 450 doutores desde a década de 1970. O corpo docente também tem posição de destaque em grandes colaborações científicas nacionais e internacionais. |